segunda-feira, 3 de maio de 2010

Museu de Évora - "A Virgem com o Menino entre S. Bartolomeu e Santo Antão, sob a Anunciação" de Álvaro Pires d'Évora

64 Mil Contos por Obra de Álvaro Pires para Museu de Évora
Por ISABEL SALEMA
Segunda-feira, 24 de Dezembro de 2001

Primeira obra de um pintor portugues

O Museu de Évora passa a ter nas suas colecções a obra de um pintor mítico. Nunca até hoje tinha sido possível adquirir um Álvaro Pires para Portugal, mas a compra por 64 mil contos vai tornar a cidade um destino obrigatório para os amantes de pintura antiga

Foi difícil escolher uma iluminação adequada para o novo quadro do Museu de Évora. O ouro utilizado pelo pintor quatrocentista Álvaro Pires devolve um brilho esplendoroso e ofusca o olhar. O quadro, intitulado "A Virgem com o Menino entre S. Bartolomeu e Santo Antão, sob a Anunciação", é absolutamente singular nas colecções portuguesas e foi um inesperado presente de Natal para o museu, resultado de uma acção de mecenato como não há memória no Instituto Português de Museus (IPM).

De facto, é uma obra de importância excepcional no âmbito da história da arte nacional, porque o autor desta tábua do século XV pode ser considerado o primeiro pintor português.

"Tinha um desgosto imenso, porque não havia nenhuma obra de Álvaro Pires em Portugal. Foram feitas algumas tentativas nos últimos anos que falharam", diz a directora do IPM, Raquel Henriques da Silva.

O quadro foi comprado com o apoio da Finagra de José Roquette e da Fundação BCP a um intermediário português que o trouxe da Irlanda. O valor da aquisição chegou aos 64 mil contos (320 mil euros) e trata-se, segundo a directora do IPM, da obra mais cara comprada até hoje para um museu nacional e de um caso pioneiro de mecenato desta envergadura. Raquel Henriques da Silva diz que não houve outro caso semelhante desde que está na direcção do IPM.

"Foi uma sorte absolutamente extraordinária. Temos sempre a penosa experiência de bater a dezenas de portas. Neste caso, o mote da procura foi Évora. José Roquette, por causa do seu trabalho com o património na Herdade do Esporão, foi a primeira ideia." Roquette disse sim de imediato e comprometeu-se a arranjar um parceiro para a operação. Finagra e BCP vão pagar o quadro através de uma acção de três anos de apoio mecenático, cobrindo 90 por cento do investimento, enquanto o IPM entrará com seis mil contos (30 mil euros). Uma aquisição próxima deste valor, mas sem apoio mecenático, foi feita em 1996 para comprar um quadro de Fernando Lanhas para o Museu do Chiado, considerada a primeira obra abstraccionista em Portugal.

Primeiro Álvaro Pires em Portugal
A compra foi proposta pelo director do Museu de Évora, Joaquim Caetano, à directora do IPM, e o empenho posto nesta aquisição, dizem os dois, deve-se ao facto de não haver nenhum Álvaro Pires em Portugal - um pintor com cerca de 30 obras, das quais apenas meia dúzia permanece fora dos museus - e autor, afinal, "da primeira pintura feita por um português", nas palavras de Caetano, especialista em pintura antiga. E o que significa ser o primeiro pintor português? "É o primeiro nome que temos na história de arte em Portugal a que podemos ligar pinturas. Álvaro Pires é o primeiro a assinar obras e aos outros nomes que temos documentados não lhes podemos atribuir pinturas. A seguir só temos o Nuno Gonçalves dos 'Painéis de S. Vicente'".

Álvaro Pires terá saído de Portugal há 600 anos para ir para Itália e a sua pintura enquadra-se no gótico tardio de Pisa. A presença do pintor está documentada em Pisa, Volterra e Florença entre 1411 e 1434. Vasari, o principal biógrafo dos pintores do Renascimento (ed. Florença 1562), chama-lhe Alvaro di Piero di Portogallo, nome com que assinou duas das suas obras, mas - adianta o director do Museu de Évora - no retábulo da igreja de Santa Croce in Fossabanda de Pisa, assina, em português, como "Alvaro Pirez Devora Pintov" (Álvaro Pires de Évora Pintou).

Raquel Henriques da Silva sublinha que para um pintor, no início do século XV, "é bastante raro a assinatura e ainda mais raro, estando em Itália, assinar em português - é uma espécie de reivindicação da nacionalidade". Assim, a conclusão que se pode tirar, para a directora do IMP, é que Álvaro Pires foi para Itália em adulto, porque sabia escrever em português.

O lugar deste pintor "mítico" na história da arte nacional, cuja obra se integra na escola italiana de pintura, está ainda por esclarecer, porque "a questão é que não conhecemos a pintura portuguesa desta época, não sobrou quase nada". E as menos de cinco dezenas de quadros que sobraram (sem as de Álvaro Pires) não explicam como é que no final do século XV pode aparecer, aparentemente vindo do nada, uma obra excepcional no âmbito da pintura europeia como os "Painéis de S. Vicente", hoje no Museu Nacional de Arte Antiga.

Para o Ministério da Cultura, esta aquisição é duplamente importante, como explica o secretário de Estado, José Conde Rodrigues, "devido à importância da obra para a museologia nacional e para os seus conteúdos" e "é a concretização das percerias que queremos estabelecer com os privados ao abrigo da Lei do Mecenato Cultural".

1 comentário:

  1. Tive a felicidade de contemplar o Álvaro Pires do Museu de Siena na Exposição «Os Primitivos Portugueses». Muito belo!

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